terça-feira, 30 de agosto de 2011

Dia vigésimo oitavo

Mais um dia que tarda. E se eu fosse noite, ao invés? Seria tão inesperado como tu? Seria tão luminoso? Serias meu dia? Não. Prefiro continuar à tua espera. Posso ser a noite do mundo, e ter para mim a noite que trazes contigo. Cedo ou tarde, no torpor, sabendo de cor teu odor, não posso pensar meu tempo sem teu olhar no seu lugar. Deixai arder os dias, como velas. Eu vejo as noites do mundo, cheias e brilhantes. Mas continuo à espera do nosso lado escuro.

Dia vigésimo sétimo

Contra os dias, contra o sol. Contra a solidão que eu próprio abracei. Sou um dia só, e por um só dia quis sê-lo. Corri os caminhos de antigamente, entre o abismo e o céu, na vertigem da queda, de asas abertas. Olhei nos olhos o sol, e senti-me como outrora, o sal da terra. Fui ao fim do meu mundo, para poder procurar por ti no horizonte. Mas ainda não é tempo. A noite cairá ali, eu saberei. Eu estarei contigo. Mas hoje, é tempo de saber que estás ansiosa por cair no mundo, acender os candeeiros, e começar tudo de novo. Hoje é tempo de dormir, porque os dias estão por vir, e não os quero demorar.

Dia vigésimo sexto

Os dias são minha casa, o mundo é minha rua. Mas os ossos do tempo têm uma morada, e o tempo parece não passar por lá. A minha velha casa é ainda um dia sem noite, é uma luz que nunca se apagou para viver de um sorriso, não tem o nome da noite escrito na areia. Tem um cheiro do teu futuro, tem um travo a ti. Tem a minha vida inteira, sempre pronta a reviver, e não tem uma moldura na parede com o teu riso descontraído. A minha velha casa também precisa que a noite chegue, e lhe dê luz.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Dia vigésimo quinto

Cada vez sei menos que tempo é este que me resta e se apresta, ou não, se é meu e se o tenho na mão. Se é meu, se quero que o seja. Se não quero que seja já outro dia qualquer, rapidamente. Vou-me encontrando neste caminho, lembrando-me das pedras que o costumavam marcar, sentando-me, falando-lhes de mim. Falando-lhes da noite que falta ao meu dia. A verdade é que, mesmo encontrando o caminho de novo, não sei a que amanhã esse caminho me leva, porque nunca soube, porque na verdade ninguém sabe. Sei apenas que gosto de o percorrer à noite contigo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Dia vigésimo quarto

A angústia é cada vez menor, porque cada vez menos de mim me separa de ti. Os dias sucederam-se, penso hoje, mais rapidamente do que os próprios dias julgaram. Afinal o tempo psicológico é um luxo do próprio tempo...ainda assim, cada vez menos me parece relevante a existência dos dias que faltam até que nos encontremos quando Agosto desaparecer por detrás de Lisboa, a poente, visto do Cais de Sodré...

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Dia vigésimo terceiro

Os dias perduram e subsistem, e as memórias, com eles. Os caminhos, as vistas, as pequenas ribaltas da cidade debaixo das quais fomos estrelas maiores que as que o céu de Lisboa deixa ver são palco constante, cenário, universo do regresso de um dia ao seu ontem, ansioso por um amanhã. Parece que um dia caminha nas pegadas de outro na esperança de o ser. Será "esperar" a única coisa a fazer para que o dia e a noite se encontrem para falar do destino?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Dia vigésimo segundo

Há dias que já foram. Há dias que me vejo ser, em technicolor , como uma analepse de mim. Preto e branco, de um projector de um velho cinema. E vejo-nos, nas city lights, perdidos nos olhares, nas carícias, nos beijos, nos sorrisos, nas gargalhadas, novamente nos olhares embebidos em sorrisos beijados, acariciados risos retomados e os silêncios são de veludo. E as dores desaparecem, os medos emudecem e nem a cor gasta do projector é par para o filme que continua a passar. E cada dia que sou deveria ser uma sequela.

Dia vigésimo primeiro

Pedi ao Tejo notícias de ti. Trouxe-me vento, soprou contra mim, fez-me andar mais devagar, disse-me que tempo é o meu. Percebi depois que andava para longe de ti, dos lugares em que ainda estamos, eu e tu, e dos quais nunca saímos, porque lá deixámos o que juntos somos. Percebi que sou dali, e que o Tejo me guarda na margem, parte de si. E que os dias do Tejo têm falta de ti.

Dia vigésimo

Várias sombras de cinzento, meu tempo me faz. E nem assim as cores que tive, e encontro na noite em que o breu não apaga a luz do teu olhar, se desvanecem. Sei-te cada uma, como sei cada expressão e contorno de sorriso de quem mergulha na noite meus dias. Não há fotografia que me valha, aí. E vou preparando os sabores que o tempo trará até nós. Até lá, vou reconhecendo a Lisboa que já reclamámos para nós.

sábado, 20 de agosto de 2011

Dia décimo nono

Quando os dias têm névoas de dúvida, atmosferas abafadas, respirações hesitantes e dores miúdas? O calor de uma noite ao som das palavras doces e gritos mudos de um vento mediterrâneo. Porque há antídotos que são panaceias, porque há ares que não se deixam de inalar. Porque os dias sorriem, pelos motivos mais simples. Porque o tempo se apresta.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Dia décimo oitavo

Porque há dias mais difíceis de amanhecer? Porque a despedida é madrasta, a noite inteira não basta e perder as estrelas, a lua, o silêncio das ondas do Tejo, o brilho exagerado de um sorriso desmesurado à luz de um candeeiro Lisboeta, um riso cúmplice, um passo de dança descomprometido que me comprometa, um abraço quente quando o vento gela, uma mão entrelaçada no cabelo e a voz do vento criador numa canção ao ouvido é um sortilégio que o nascer do sol não cura. E há dias cuja simples existência é diminuída e desvalorizada por trivialidades brilhantes como diamantes. Tais como estas.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Dia décimo sétimo

Estamos na fronteira, tu e eu. Eu me alumio, uma e outra vez e me obrigo a seguir neste corredor até ao fim. Tu esperas-me no fim de tudo, para seres tudo de novo. Nem a lua, definhada e amarelada, me segue, e torna-se mais um candeeiro da ponte, no Tejo ao fundo. As estrelas estão lá, como poucas vezes o estão. Mas os astrolábios de marinheiros como eu, navegando pelo tempo, não foram feitos para seguir estrelas tão longe na noite. Continuo à espera, com metade do oceano nas costas. Se eu encontrar uma ilha...não preciso parar para sentir. Trago comigo o fado Português da saudade, mesmo nos dias de nevoeiro.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Dia décimo sexto

Eu sou a viagem que fazes até cada pôr-do-sol. Até ao meu fim, o meu desfalecer consentido nos braços do teu negrume. Tu és a viagem que eu faço até mim. Tu és o que eu sou, no lado escuro. Tu és quem está comigo neste movimento perpétuo. Tu és a razão pela qual o tempo tem em mim um princípio. Tu és o fim. Porque os dias são viagens, em que o destino é incerto e impossível discernir, até que chegamos e chamamos casa a lugares que nunca vimos. Assim foi uma noite em que foste o meu destino. E outra. E outra. E por cada novo destino, novo é o ponto de partida. E assim me reinvento, e sou amanhã.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Dia décimo quinto

Os dias podem trazer-nos dor. Podem ser longos, cedo, tarde, no torpor. Podem trazer-nos o vazio dos tempos. Mas a mim, que sou dia todos os dias, resta-me a noite e a lua, essa matéria escura só tua, esse amor confesso pela tua voz de som de rio. A mim, que sou dia todos os dias, por vezes assalta-me a esperança, a firme certeza de que serás a minha noite de todos os dias, mesmo quando os teus dias não são meus, e as minhas noites não são tuas. A mim, que sou dia todos os dias, chega-me saber que mesmo à luz do dia, no calor da manhã, serás a noite em que os meus dias acabam.

Dia décimo quarto

Regressemos todos aos dias que somos. Sejamos nós desde o primeiro e lembremos-nos sempre de como o ser até ao fim. Hoje regressei a mim, e outros dias regressaram a si, a nós. Voltei a ver Lisboa do alto, cá do alto, e a sorrir porque os meus dias ali hão-de regressar. E as noites serão ali minhas, finalmente.

Dia décimo terceiro

Prostrado entre a caruma seca do verão que tenho por pai, seco como a folhagem que me cobre. Fui longo, e tão vazio...as luzes da noite de Lisboa não são as luzes da minha noite, embora tantas vezes nos tenham servido de abrigo. As sombras foram apenas minhas companheiras, nas milhas da solidão. O Tejo, o rio dos meus olhos, o mar frio que me chama. Longo, muito longo. Tão vazio.

sábado, 13 de agosto de 2011

Dia décimo segundo

Fui um dia fugaz, hoje. Persegui demónios e objectivos, combati moinhos de vento, desesperei pela noite que chegou tarde. E a noite fui eu. Um dia feito noite, dias e noites feitos uns nos outros. Acabei sendo eu e sendo noite, mas não a noite que espero. Fui um dia na noite de alguém, um dia entregue a ninguém. Mas fui também, um filho pródigo que a casa torna. Dos dias gritados, suados, bebidos até à última gota, sorridos, lamentados. Fui uma noite, sendo dia, lamentando que uma noite diferente não me esperasse.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Dia décimo primeiro

Dias como eu são de fogos interiores. São de piras e calores, que não esmorecem e cujo rescaldo ficará para a morte. Noites como as que espero são de brisas, ventos de beira-rio, ondas que mal rebentam, vagas e luar. São de doce treva, corpos à prova de frio, sorrisos que viajam, gestos no respirar. Hoje fui o que tenho para oferecer; sol, fogo, sem medo de o ser. No entanto, há fogo meu no teu luar, e o teu sol é meu. Meu fogo de hoje é teu.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Dia décimo

Por vezes dói-nos o corpo, mas a alma responde. Por vezes dói-nos a alma, e o corpo carrega-nos em frente. Por vezes tudo custa, tudo é fado. E por vezes, cantado, o fado resolve, como em tempos, ora em maior, ora num menor que inspira em vez de mutilar. Por vezes, o dia termina num pôr-do-sol ameno, por vezes o calor fica na noite, por vezes a voz da noite escura parece a explosão de uma estrela. Há dias destinados a terminar na longa noite, densa, quente. Sim, será esse o meu destino.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Dia nono

Corri como o vento pelos lugares a que o tempo me levou. Visitei sem parar os sítios que a noite me mostrou, banhado pelas estrelas, o rio, o luar que entre nós se partilhou. Corri e queria ter parado, sorri e queria ter chorado, cantado, triste, amargurado, o fado da tua ausência. Mas tu serás um dos meus amanhãs, e morrerei então para o tempo. Também tu, noite quente de Julho, até uma manhã de Setembro, correrás e os lugares não te farão demorar. Correrás para o dia que te abraça quando os relógios não sabem o que dizer. Serás cega e eu, dia morto pelo teu viver, verei em ti. Hoje corri. E senti o tempo atrás de mim.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Dia oitavo

Sim, ás vezes parece infinito. O mar que separa os dias. Um pretérito que é perfeito de um futuro conjuntivo. O hoje é compulsivo. O hoje é compulsório. O hoje parece acessório. O hoje é um comboio que já chegou e já partiu, um ser que nasceu e já morreu. O lobo de si mesmo. O hoje é um homem que acordou a pensar em adormecer e sonhar de novo, realizar é só depois. Mas o hoje também sonha acordado. Também sente e também vê, também ouve e também lê. Os sinais. As mensagens nas garrafas e os dados que se lançam. Os vazios e os silêncios. O hoje é compulsivo. O hoje é compulsório. O hoje parece acessório. Mas não é, e não o será sempre. O hoje também vive sempre que quer viver.

Dia sétimo

E ao sétimo dia, Deus descansou. Será que quando um homem mata Deus sete vezes, os dias terão descanso? Nietzsche terá tido dias como  eu. Acordou, seguiu caminho, de casa ás costas, de lés a lés. Respirou, bem fundo nas profundezas, e inalou o ar da manhã. Viajou, regressou a casa, aos carris do tempo. Mas quebrou o ciclo, mexeu as peças e gritou por vida. E viveu-a, sorriu e não mais se anulou. Lembrou-se do que era ser um dia que não um ontem ou um amanhã, e foi um hoje com sentido, definido a priori ou não. Nietzsche terá tido dias como eu. Terá tido amigos, os meus hojes e os meus amanhãs? Amanhã talvez o saiba.

Dia sexto

Só, de novo. Mas desta vez assumido. Fui só e o tempo que me seguisse as pisadas, em vez de ser eu a marioneta. Esqueci as raízes da terra molhada e parti, na chuva e na cinza, no pó aglomerado e no alcatrão dos meus iguais. Até que a cinzas dêem lugar a novas brasas e as brasas a nova chama. Faltar-me-à nova faísca. Mas sou todo eu combustível.

Dia quinto

Perdi-me na dança da minha própria eternidade. Começo sozinho nas praças do mundo, nasci com os pássaros e os homens e voo como nenhum. Fui ao fim e ao fundo, andei sem destino ou rumo algum. Por momentos julguei que não acabaria. Ganhei a noção, senti-me guardar o coração, fechar a gaveta e, de súbito, sentia. A banda sonora do dia foi a mesma do dia mas vinda dele mesmo. Fui um dia só, sozinho nos dias e no ser.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Dia quarto

Hoje fui vento nas velas de mim. Decidi carregar comigo até ao fim. Decidi que a meta não é suficientemente longínqua, que a minha Finisterra não passa de chuva oblíqua. Hoje irmanei-me do tempo e segui-lhe o rasto, fui um dia dos dias, e assumi-me como um ontem do meu amanhã. No tempo que me resta, de tão vasto, descobri algures um pano de fundo para receber o fim de mim mesmo como uma chama irmã. Viver é o fogo dos dias: tomemos o ar á vida, que enquanto esse ar perdura a vela do tempo não se extingue.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Dia terceiro

Hoje fui verdadeiramente um novo dia. Matei os dragões da angústia, dobrei os cabos dos medos e subi à genoa. Compreendi um mistério do tempo que é tão inexorável quanto difícil de conceber, tão óbvio e difícil de compreender: ele parece passar devagar, mas passa. E passa tão mais devagar, quão devagar me queixo que passa. Hoje aprendi algo sobre mim próprio: os dias a si pertencem. Cada dia traz um último a si mesmo. "O fim está próximo", digo de mim para mim, como se fosse um apocalíptico primeiro dia de uma vida.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Dia segundo

Sempre te vi para lá da tempestade, do olho do furacão. Soube sempre do teu fio de Ariadne, mas não quero abrir mão. Soube sempre que serias como te queria ser. Soube sempre que saberias ser todo o meu querer. Restava-me que o vento do tempo não soprasse contra mim. Que os rios parassem, que os pássaros se calassem, que os carros passassem sem se fazer ouvir. Que a voz do último dia fosse tudo o que me fala, esperando-me, sorrindo-me, permitindo-me encontrá-la. Que o rasto do meu passado, que o ontem de mim não passasse, bem pensado, de alguém que fui e já não sou. E o meu amanhã será melhor, porque a voz me falou no coração. Mesmo perdido no olho do furacão.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Dia primeiro

Obriguei-me a escrever-te. Dóis-me. Como se fosses diferente, diferente de mim. Como se um dia e outro não fossem irmãos, amantes, águas do mesmo mar. Como se ontem tivesse tudo, hoje tão pouco e amanhã menos que lembrar. Dos dias, és entre o mais fácil e o mais impossível. És tanto o fim do meu auge, como início da tormenta irredutível. Amanhã serás diferente, digo de mim para mim. Serás brilhante, ou gostaria eu que sim. Serás diferente, realmente. Só não sei se melhor, se pior. Mais um dia de breu, menos um dia que falta para que no fim, o dia seja meu.